quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

eterno fim

morrerei de poemas de doutrinas
de prosas a cada verso de uma poesia
morrerei de frio em julho e em setembro
cederei às flores ao céu ao seu ao véu ateu
morrerei sem vestes no banco dos réus
ou ao leste despertando sem sangue
morrerei ao poente rubro no chão
findarei em escritos nalgum papel
sem vírgulas sem pontos sem fim
eterno em mim

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

cena de cinema francês

ocorre como num filme do jeunet
ilustrando personagens reais
numa tela repleta de cores tão belas
discorre sobre questões existenciais
acreditando pensar como godard
quando a cultura acaba com a arte

vem você dizer
só espero que não espere tanto de mim

há de ser você
só espero que não espere tanto de mim

escrevendo um roteiro que queria escrever
imitando algum filme francês
pra quem sabe chegar a cannes
no ano que vem

pra quem sabe encontrar truffaut
e jean renoir em outro lugar

domingo, 2 de novembro de 2014

Dimensões

I

retirei-me daquele universo vão
onde o oxigênio vagara em desuso
e o tempo esquecera-se de seguir
ininterrupto entre realidade e ficção
ausentei-me porque sentimentos
não estavam em eloquência – pois
não doíamos na mesma frequência –
e as medulas já não eram tão profundas
quanto as maçantes lacunas psíquicas
afastei-me de todo ceticismo pirrônico
e transfixei ações transcendentalistas
até findar no exato ponto em que
iniciara o meu itinerário lacônico:
dois universos podem colidir


II

toda pessoa é um universo
e em todo cosmo há um ser
cada mentira dita é uma
verdade ouvida – acredite
ou não – e o que não for dito
pode ser ouvido em um som
negativo em qualquer expressão


III

há várias dimensões em um universo
e diversos sentimentos em uma pessoa
segundo a teoria das supercordas há
dimensões ocultas que estão enroladas
segundo a teoria da vida há sentimentos
ocultos que podem nos deixar enrolados


IV

refugiei-me em outro universo
que talvez esteja ajustado com
a minha frequência e que –
quiçá – não possua dimensões
que se ocultem quando suas
presenças se fizerem necessárias
encontrei-me em um cosmo
atento e propício que até então
não se mostrou aéreo e apático
às minhas dimensões: descobri-me
em um universo poético que –
de uma – dimensiona-me em várias!

sábado, 1 de novembro de 2014

À esquerda

Vista-se de teu manto carmesim
e revele tua bravura escarlate
aos que afrontam o Estado –
nossa Pátria purpúrea – ,
brade: estou pronto para o combate!

Tua cor vermelha comunista,
como o sangue derramado ao chão,
 faz-se potência à nossa sofrida Nação
e fulgura com intensidade de norte a sul
da nossa terra socialista.

Encontre-se entre os operários
em uma luta de classes.
Lança-te com a lança das minorias  –
que são maioria – e brade:
“Proletários de todos os países, uni-vos!”

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

tomada um

jodorowsky levou-me ao topo da montanha sagrada
onde apresentou-me a um escritor e a um professor que
aguardavam tarkovsky enquanto ouviam uma sinfonia
do lôbrego tchaikovsky em uma vitrola antiga e oxidada
observei pessoas do jazz que chegavam de new orleans
e pessoas coloridas que traziam flores em suas vestes
e pessoas que fitavam o céu com sofreguidões de titãs
eu pude ver o resplendor dos beatniks que tocavam
bongôs e se embebedavam com antimaterialismo e
eu avistei kerouac e ginsberg nus em busca de neal
cassady e suas mulheres e vi burroughs e alguns gatos
e algumas drogas e ouvi doors e o poeta morrison e
então começou a chover e a água inundou as poesias
simbolistas que estavam penduradas em um varal
que ligava rimbaud e verlaine ao flâneur baudelaire
jodorowsky abraçou-me e disse que frida e dalí não
se atrasariam e que guevara já estava sentado ao lado
direito de marx e logo vi que rosa luxemburgo também
estava ali com lênin e stálin e resolvi abrir uma pequena
porta e encontrei arendt & heidegger e beauvoir & sartre
e fechei a porta e caminhei observando todas as situações
que se criavam na minha frente e ouvi alguém chorando
e segui o som do pranto até encontrar um homem que
estava sentado em um canto e percebi que era nietzsche
e nada disse
apenas sentei-me ao seu lado
e chorei
e jodorowsky nos dirigiu

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Solitários



a tua solidão esbarrou em meu dorso
e embaraçou a minha brandura campesina
com a tua eletricidade isolada e todo o teu ardor


a minha solidão esbarrou em tuas costas
e se emaranhou em teu entusiasmo solitário
fluindo entre a minha prosa e a tua nueva trova


as nossas solidões se esbarraram em um corredor
qualquer e quem diria que duas criaturas sozinhas
neste tempo e por este ar iriam se esbarrar tão bem

como nós fizemos

as nossas solidões se esbarram todos os dias

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Au revoir, Silêncio!



Olá, Silêncio! Quero dizer-te que o teu
emudecimento já não me causa aquela
aflição que costumava causar.
A tua frieza – que me apresentou a Anteros:
o símbolo do amor desgraçado – não mais
afeta a minha sensibilidade nem aniquila
o escárnio romântico que há neste arcabouço
desatinado.

Boa morte, Silêncio! Quero que o teu óbito
sejas embatucado e sem rusgas de fim de festa
de amores foscos de amantes bestas.
Declaro-te que o teu afago silente – e ainda assim
destroçador – já não me incita a desejar-te aqui
e que a tua magnética apatia não mais suscita
qualquer espécie de nostalgia ou de necessidade
de retiro.

Au revoir, Silêncio! Escrevo-te o teu letargo
devido a este desencargo que me tomou
e me tornou em um sarau de poesia
que não mais se chama Saudade
nem transborda melancolia.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Poema do fim



Havia, em seus olhos, o reflexo do seu eterno
amor e, nos lábios, o desejo de um doce beijo.  
Na cútis, estavam enterrados os sentimentos
sucumbidos e alguns fragmentos dos antigos
temores causados por outros perenes amores.


Por ausência de diálogos, sobraram palavras.
Prantos iniciaram quando sorrisos findaram.


Já não mais dormia, ao seu lado, o moçoilo
dos olhos turvos. Não mais havia poesia ou
prosa em seus manuscritos hodiernos que
se mostravam como profundos traços num
papel umedecido pelas letras do seu choro.


Ao fim,  
há somente
o fim.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Não se esqueça de algumas coisas se eu morrer



Se eu morrer em uma manhã de sábado,
à noite, não deixe de ir ao cinema e, após,
não se esqueça de beber algumas cervejas
com o  pessoal de sempre ou até mesmo só.
Caso eu morra na Colômbia ou no México,
sem ter dado notícias nas últimas semanas
nem postado uma foto em qualquer rede social,
não durma até o nascer do sol – deixe que a aurora
invada a sua pele para que você possa sentir o meu abraço.
No caso de eu vir a falecer em um dia de chuva, deixe todos os meus
converses do lado de fora da nossa casa e observe cada gota molhar
a única parte da minha efígie que remanesceu visível.
Se a causa do meu óbito for triste, jogue fora o 
Unknown Pleasures que eu comprei em Porto Alegre
e, durante uma semana, somente ouça as marchinhas
do Haroldo Lobo, que a tristeza irá embora...
Porém, se eu morrer dormindo, depois de uma noite de amor,
antes de ir ao meu funeral, tome café da manhã na padaria que
fica na outra esquina e coma todos os pães de queijo que puder.

Quando a minha vida cessar, não deixe que a sua também se encerre,
apanhe a minha mochila vermelha, e vá ao norte mais longínquo que
há na  Terra, e conheça pessoas amarelas, e continue se apaixonando,
e beba novas comidas, e coma novas bebidas, e não se transforme em
um bitolado melancólico chato do caralho!

Quando a morte chegar, lembre-se de que ela é banal, vulgar & trivial.
E o mais importante: não a encontre antes de mim.